quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Jogo das Bolas (Parte 2)

Bem respondido pelo Paulo e pelo leitor não identificado, a probabilidade de vencer o jogo, mesmo estando em desvantagem está do lado das bolas vermelhas que num jogo perfeito venceriam por 115-85.

Imaginemos uma roleta dos casinos. Logo nos seus primeiros lançamentos do dia, essa roleta produz 20 cores vermelhas - algo que pode muito bem acontecer e que é o pesadelo dos "martingalistas".
Como sabemos, não é por sairem 20 vermelhos que o Casino vai mudar as odds das apostas nas cores. O casino paga sempre o dobro porque ao contrário do que muitos pensam, a roleta não tem memória e a probabilidade de sair uma cor é quase 50% em cada lançamento, independentemente de no passado terem saído 20, 50 ou 100 cores vermelhas seguidas.

Voltemos agora ao jogo das bolas. Mas vamos substituir as bolas por dois jogadores de ténis e o resultado de 40-10, por um resultado de 4-1 no 1º set.
Ao contrário da roleta, no ténis as odds mudam sempre que há um ponto porque o mercado assume que cada ponto aproxima um jogador da vitória. Ou seja, cada vez que sai vermelho, a odd do vermelho desce, e cada vez que sai preto, a odd do preto desce (devia ter escolhido outra cor, mas enfim, agora já está).

Neste momento o jogador vermelho perde por 4-1 e a sua odd já está muito maior que o preço inicial. Mas tal como no jogo das bolas, é o jogador vermelho que mesmo a perder por 4-1 tem maior probabilidade de ganhar o jogo porque vai pontuar 7 em cada 10, o suficiente para ter boas hipóteses de recuperar e vencer o jogo.

Onde é que eu quero chegar com isto?


Tal como eu no inicio, muitos novatos deixam-se influenciar apenas pelas cores que vão saindo. O próprio mercado reage quase exclusivamente à cor que vai saindo. No entanto o sucesso está em saber quantas bolas de cada cor estão dentro do saco e com base nisso, apostar a um preço que nos dê uma boa vantagem.

Agora a grande dificuldade nisto tudo é em saber quantas bolas de cada cor estão dentro do saco e em que momentos do jogo o saco passa a ter um novo numero de bolas.

Como é que o fazemos?

A melhor forma é conhecer bem os jogadores e principalmente a sua forma mais recente, tendo sempre consciência que tudo é mutável. Se virmos um jogador a jogar num passado recente conseguimos facilmente comparar a sua performance com performances passadas e saber assim se ele está com mais ou menos bolas da sua cor no saco. Se estamos a ver um jogador que não conhecemos e ele fez um grande 1º set, podemos achar que ele é um grande jogador e que vai vencer facilmente o encontro quando na verdade ele fez o set da vida dele e o mais provável é não conseguir manter o mesmo ritmo nos sets seguintes. Entendem a ideia?


Ontem tivemos excelentes exemplos de tudo isto que eu estava a falar: O Murray e a Sharapova. Ambos estiveram em desvantagem no jogo e a transaccionar acima de 2. Mas a certa altura do jogo tanto um como outro tinham muito mais bolas suas no saco que os adversários.
A Sharapova reduzia os erros e era claramente superior nas trocas de bolas. O Murray cada vez mais pressionante e o Cilic cada vez a errar mais. Como ainda falta muito para o jogo acabar, nestes momentos podemos ignorar o resultado e ter em conta apenas a odd e o jogador com mais bolas no saco. Claro que o mesmo já não é válido para o final do jogo. A Sharapova mesmo superior à Bartoli não conseguiu ganhar o 1º set. Se o jogo ontem tivesse começado de novo, a Sharapova estaria a ganhar 2-3 e com um break de vantagem no 1º set, mas como a Bartoli já tinha o 4-0, o 1º set acabou 6-3.

Estão sempre a entrar e a sair bolas do saco

É normal que durante um jogo de ténis ambos os jogadores passem por fases melhores e menos boas. Quando apostamos, não podemos ter em conta apenas a forma como o jogador está a jogar na altura mas também a probabilidade de ele se ir abaixo no futuro. É muito importante perceber quem é o melhor jogador quando ambos estão numa boa fase e saber o que está a acontecer na maioria do decorrer do jogo. E depois aproveitar as pequenas variações na corrente natural do jogo para apanhar melhores preços. É comum eu fazer lay a um jogador que está a jogar bem demais porque eu sei que dificilmente ele vai manter aquele nível ao longo do jogo todo. Ou fazer back a um jogador que está numa fase pior do jogo por achar que é só uma fase e que ele é mesmo o que está a jogar melhor.

Momentos típicos que vão contra a corrente natural do jogo

- O inicio do jogo: Costumo dizer que os primeiros dois jogos "são para os pardais". Os jogadores ainda nem aqueceram bem, e é comum acontecerem coisas que nada tem a ver com o que vai ser o jogo. Serve para apanhar bons preços, mas não serve para tirar grandes conclusões do jogo.

- O relaxe da vantagem: É normal um jogador relaxar depois de estar a vencer confortavelmente. Humanamente é muito difícil inverter esta tendência. Por isso se vê muito no ténis que às vezes o jogador em desvantagem parece que vai recuperar mas depois acaba por perder.

- A vertigem dos pontos finais: Para certos jogadores fechar um jogo pode ser um momento psicológico muito intenso. A mão treme e as bolas saem. Pode dar origem a reviravoltas no jogo mas se forem realmente melhores jogadores que o adversário, acabam por fechar o encontro mais tarde.

Momentos que alteram a corrente do jogo

- Capacidade física: Benneteau x Federer em Wimbledon. O Benneteau estava a ser bastante superior ao Federer até ao 2-0. Até a energy bar começar a cair a pique e deixar de conseguir jogar. Não fosse este factor e não tenho dúvidas que o Benneteau acabaria por vencer o encontro. O Federer ganhou da mesma forma contra o Del Potro em Roland Garros.

- Entrada no jogo: Há jogadores que nós sabemos que são melhores, que quando fazem as coisas bem nota-se que estão a ser superiores, mas parece que demoraram a entrar no jogo e os erros forçados parecem não desaparecer. Eles não estão a perder por mérito do adversário mas por demérito próprio. Este tipo de jogos podem ser complicados de tradar, mas não nos resta outra coisa senão esperar que esse jogador entre finalmente no jogo, com a vantagem que nessa altura a odd estará bastante apetitosa. O Murray ontem foi um exemplo. O Djokovic contra o Federer na final de Cincinnati é outro exemplo. Noutros jogos o jogador nunca chega a entrar no jogo. Lembro-me agora do Dolgopolov contra o Davydenko em Cincinnati. Hoje em dia o Dolgopolov é muito superior ao Davydenko, mas naquele dia o Dolgopolov basicamente não o quis jogar ténis. O Davydenko nada fez mas ganhou fácil.

- Nível de ténis em excesso: O Federer em Roland Garros entrou fortíssimo contra o Djokovic e começou por ganhar 3-0. Para quem conhecia a forma do suiço naquela altura, eu diria que entrou fortíssimo de mais. A odd do Djokovic dispara mas nós sabiamos que o Federer não ia aguentar aquele ritmo durante o jogo todo.


Espero que tenham aprendido um pouco mais sobre o ténis e que o jogo das bolas e do saco não vos tenha confundido mais que ajudado.




5 comentários:

  1. João,

    Grande, grande post :) Está lá tudo.

    Já desconfiava que a charada de ontem teria outro propósito e a analogia feita entre determinadas situações do ténis - como poderia ter sido de outro desporto - ao jogo das bolas foi muito bem pensada :)

    Um abraço,
    Paulo

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  2. Excelente post João! Concordo com tudo o que referiste.

    O factor psicológico dos jogadores é que mete um grande "random" no "jogo do saco" (probabilidades e valor das odds). Quantos mais jogos se observa, mais se consegue ler essas alterações. Muitas vezes nem tem nada a ver com psicológico.

    Um exemplo: antes do US Open a Caroline Wozniacki, num torneio menor (New Haven), tinha uma lesão num joelho que a condicionava. Num jogo contra a Cibulkova, após ganhar o primeiro set, sentiu dores, foi assistida, o mercado ficou maluco. Ela suportou as dores, continuou a jogar e ganhou (porque já estava a ganhar, claro...).
    Na final desse torneio, aconteceu a mesma coisa no final do primeiro set contra a Kirilenko, só que tinha acabado de perder o 1º set. O mercado ficou maluco novamente, mas agora aí Wozniacki optou por desistir, porque o US Open era logo a seguir e porque já tinha perdido o primeiro set...

    Este exemplo serve para reforçar a tua informação de que o êxito regular no trading em ténis depende de muitos fatores. Se soubermos o contexto todo de um jogo e o cruzarmos com as probabilidades do "jogo do saco", conseguimos ver o valor real das odds.

    Sem querer escrever um testamento, diria que este teu post, juntamente com outro que escreveste sobre odds relativas tem boa parte da receita do sucesso em ténis, se é que ela existe ;)

    Abraço

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  3. Muito bom post!

    Nao costumo fazer trading em ténis mas hei de comecar com calma a ver como me dou!

    Onde costumas ver os jogos de ténis? Betfair só?

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  4. Respostas
    1. Excelente post João !!!

      Os meus parabéns.


      Forte Abraço.

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